Você já se perguntou se pode filmar uma abordagem policial? Essa prática, cada vez mais comum, levanta questões importantes sobre seus direitos como cidadão e a transparência das ações policiais. Neste artigo, vamos desmistificar esse tema, explicando seus direitos, como gravar de forma segura e eficaz, vamos te mostrar como exercer seu direito à informação e garantir a sua segurança.
Introdução
Nos últimos anos, o aumento de casos de violência policial trouxe à tona um debate urgente sobre a necessidade de transparência nas ações das forças de segurança. Diversos episódios de abordagens violentas ou abusivas ganharam repercussão nacional e internacional, impulsionados por gravações feitas por cidadãos comuns, muitas vezes usando apenas seus celulares. Essas filmagens têm desempenhado um papel fundamental, não apenas para expor injustiças, mas também para fortalecer o controle social e a accountability (responsabilidade) das instituições públicas.
A gravação de abordagens policiais é uma ferramenta poderosa no combate a abusos de poder e na proteção dos direitos civis. Em um país como o Brasil, onde casos de violência policial são recorrentes, ter a possibilidade de registrar esses momentos é uma maneira eficaz de preservar provas, além de fornecer uma narrativa mais fiel dos acontecimentos. Contudo, é essencial que essa prática seja realizada de maneira segura e dentro dos limites legais, para não colocar em risco a integridade do cidadão e para respeitar as normativas vigentes.
Este artigo tem como objetivo esclarecer os direitos dos cidadãos ao gravar abordagens policiais, além de oferecer orientações práticas sobre como fazer isso de forma segura e eficaz. Ao entender melhor as bases legais e as precauções necessárias, qualquer pessoa pode contribuir para uma sociedade mais justa e transparente.
1. O Direito de Filmar:
Fundamento legal:
O direito de gravar abordagens policiais é amparado garantias constitucionais que protegem a liberdade de expressão e o direito à informação. No Brasil, a Constituição Federal, em seu Artigo 5º, assegura a liberdade de manifestação do pensamento, sendo vedado qualquer tipo de censura, e também o direito à informação. Esse dispositivo serve como base para a prática de gravação em espaços públicos, incluindo abordagens policiais, desde que respeitados certos limites.
Além disso, a gravação de abordagens policiais pode ser entendida como uma extensão do direito à segurança e à proteção contra abusos de poder. A ação de filmar tem sido cada vez mais reconhecida como uma ferramenta essencial para garantir a transparência e o controle social sobre as atividades policiais.
As leis estaduais e municipais podem tratar da transparência nas ações de agentes de segurança pública, incentivando o uso de tecnologias como câmeras de segurança em uniformes e viaturas. Por exemplo, no estado de São Paulo, foi implementado o uso de câmeras corporais em policiais, justamente com o intuito de coibir abusos e garantir maior controle sobre suas ações.
Embora não haja uma legislação federal específica que trate diretamente do direito de filmar abordagens policiais, a jurisprudência brasileira vem reconhecendo esse direito em diversos casos. Tribunais têm se posicionado no sentido de que a gravação de agentes públicos no exercício de suas funções, quando realizada em locais públicos e sem interferir na operação, é uma prática legítima e legal. Em uma decisão de 2018, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) destacou que a gravação de policiais em ação não configura crime, desde que não haja prejuízo à execução do serviço policial.
Jurisprudência
A jurisprudência brasileira também reconhece o direito de filmar agentes públicos em exercício de suas funções, desde que não haja comprometimento das operações ou invasão de privacidade.
O policial não pode, com o intuito de se beneficiar pessoalmente, criar obstáculos ou ameaçar de qualquer maneira a pessoa que está gravando uma abordagem policial, apenas por estar capturando as imagens, sob o risco de cometer o crime de abuso de autoridade.
A Lei 13.869/2019, conhecida como Lei de Abuso de Autoridade, prevê como crime os seguintes artigos:
Art. 30. Iniciar ou conduzir uma persecução penal, civil ou administrativa sem justificativa fundamentada ou contra alguém que o agente sabe ser inocente:
Pena – detenção de 1 (um) a 4 (quatro) anos, além de multa.
Art. 33. Exigir informações ou o cumprimento de obrigação, incluindo obrigações de fazer ou não fazer, sem respaldo legal expresso:
Pena – detenção de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, além de multa.
O policial pode solicitar que a pessoa que está filmando se identifique, sendo suficiente fornecer o nome e o endereço, mesmo que ela não esteja com um documento de identificação, cujo porte não é obrigatório. Como não há lei que exija que o cidadão carregue documentos de identificação, essa exigência feita pela autoridade policial é ilegal e inadequada. Além disso, ameaçar levar a pessoa para a delegacia configura abuso de autoridade, a menos que haja uma justificativa plausível para tal exigência, o que geralmente é absurdo.
A Constituição Federal, no art. 5º, inciso LVIII, estabelece que a pessoa civilmente identificada não será submetida à identificação criminal, exceto nas situações previstas em lei. Esse artigo é regulamentado pela Lei 12.037/2009, que trata das condições previstas na Constituição.
Entretanto, esse procedimento, mencionado tanto na Constituição quanto na referida lei, diz respeito à identificação criminal de pessoas sob custódia, e não se aplica àqueles que estão filmando e são solicitados a se identificar.
Limitações
Embora o direito de gravar seja assegurado, há algumas limitações importantes a serem consideradas:
Segurança: Em certas circunstâncias, a gravação pode representar um risco para a segurança tanto do cidadão quanto do policial. Se a situação evoluir para um confronto ou se houver agressão, o ato de gravar pode aumentar a tensão, colocando todos em perigo.
Privacidade: É importante lembrar que a gravação de terceiros, especialmente em situações que envolvam menores de idade ou vítimas de crimes, deve ser feita com cautela. A exposição indevida de pessoas pode resultar em processos civis ou criminais por violação de privacidade.
Interferência nas ações policiais: O ato de gravar não pode atrapalhar o trabalho do policial. Caso o cidadão se aproxime demais ou interfira diretamente na ação policial, ele pode ser advertido e, em situações extremas, até preso por obstrução da justiça.
O que fazer se o policial impedir a gravação?
Se um policial tentar impedir a gravação, é importante saber que, na maioria dos casos, essa proibição é ilegal. A não ser que a gravação interfira diretamente no trabalho da polícia ou coloque em risco a segurança pública, o cidadão tem o direito de continuar gravando. No entanto, é crucial manter a calma e evitar confrontos diretos. Em casos de abuso, o registro da proibição pode ser utilizado como prova em uma eventual denúncia nos órgãos de controle externo da atividade policial.
Embora os policiais não possam impedir que cidadãos gravem suas ações em locais públicos, é possível que alguns tentem proibir a filmagem. Nessas situações, é importante que o cidadão esteja ciente de seus direitos, mas aja com cautela para evitar conflitos desnecessários.
Se um policial tentar impedir a gravação, o cidadão deve, de forma educada e calma, informar que está exercendo seu direito constitucional de registrar a situação. Caso o policial insista, é recomendável interromper a gravação momentaneamente para evitar uma escalada de tensões e procurar um advogado ou uma autoridade competente posteriormente, para relatar o ocorrido.
2. Como gravar de forma segura e eficaz?
Gravar uma abordagem policial exige, além de conhecimento dos direitos, uma série de cuidados práticos para garantir que a filmagem seja segura e eficaz. Aqui, abordaremos os principais pontos que você deve considerar ao realizar uma gravação.
Equipamentos
Dispositivos: A opção mais prática e acessível para a maioria das pessoas. Quase todos os smartphones modernos têm câmeras de alta qualidade que permitem gravações em alta definição. Em alguns casos, pessoas que desejam uma gravação de melhor qualidade ou maior segurança podem optar por câmeras dedicadas, como câmeras de ação, que podem ser fixadas ao corpo.
Qualidade da imagem e do áudio: A qualidade da gravação é fundamental. As imagens devem ser nítidas e o áudio claro, para que seja possível identificar o que está acontecendo e quem está envolvido. Ajuste o dispositivo para gravar na mais alta resolução disponível e verifique se o áudio está captando sons adequadamente.
Bateria e memória: É comum que a gravação consuma muita bateria e espaço de armazenamento no dispositivo. Certifique-se de que seu celular ou câmera está com carga suficiente e com espaço disponível para armazenar o vídeo completo.
Técnicas de gravação
Posicionamento: Para garantir uma gravação de boa qualidade, mantenha uma distância segura e procure enquadrar tanto os policiais quanto o cidadão abordado. Isso garante que o contexto da situação seja preservado e que todos os envolvidos apareçam nas imagens.
Captura de áudio: O áudio é muitas vezes mais importante do que o vídeo, especialmente quando se trata de capturar conversas ou ordens dadas pelos policiais. Certifique-se de que o microfone está desobstruído e que o ambiente ao redor não está causando ruído excessivo.
Estabilidade da imagem: Sempre que possível, segure o dispositivo com as duas mãos para evitar tremores na imagem. Se estiver usando uma câmera de ação, ajuste-a adequadamente no corpo para que as filmagens fiquem estáveis.
Segurança pessoal
Durante uma gravação, o comportamento do cidadão é crucial para evitar conflitos desnecessários. Mantenha uma postura tranquila e siga todas as ordens legais dadas pelos policiais, como se afastar ou não interferir na ação. Se houver agressão ou ameaça, priorize sua segurança e evite resistir. A gravação pode continuar a ser feita de forma discreta ou por terceiros, caso necessário.
Não é incomum que em determinadas situações, filmar uma abordagem policial pode colocar o cidadão em risco. Policiais tendem a interpretar a gravação como uma tentativa de interferência ou provocação, especialmente em momentos de tensão. Por isso, é importante que o cidadão adote uma postura calma e não desafiante, para evitar confrontos que possam escalar para violência.
Preservação das provas
Após gravar a abordagem, é fundamental armazenar o vídeo de forma segura. Faça cópias de segurança, enviando o arquivo para um serviço de nuvem ou compartilhando-o com pessoas de confiança. Se possível, armazene o arquivo original em um dispositivo seguro, sem fazer edições, pois isso pode comprometer a validade da gravação como prova.
3. O Uso das Gravações
Divulgação
Embora a gravação de abordagens policiais seja um direito, a divulgação desse material exige cautela. A exposição indiscriminada de vídeos pode ter consequências legais, tanto para quem gravou quanto para as pessoas que aparecem nas imagens. Antes de divulgar um vídeo, considere consultar um advogado para garantir que a divulgação não viole nenhuma lei ou coloque sua segurança em risco.
Quando e como divulgar: A divulgação deve ser feita de forma responsável. Em casos de abuso policial, o vídeo pode ser compartilhado com advogados, ONGs de direitos humanos ou com a imprensa, que saberão como proceder com o material de forma ética.
Riscos da divulgação indiscriminada: A publicação de vídeos nas redes sociais pode expor vítimas ou até mesmo interferir em investigações policiais. Além disso, há o risco de violar a privacidade de terceiros, o que pode resultar em processos legais.
Uso como prova
Gravações de abordagens policiais podem ser usadas como prova em processos judiciais, tanto em defesa dos cidadãos quanto para responsabilizar policiais que tenham cometido abusos. Para que a gravação seja aceita como prova, é importante que ela seja clara, sem cortes ou edições, e que seja possível identificar os envolvidos. No entanto, para que o vídeo seja aceito como prova, ele deve seguir alguns critérios:
Valor jurídico: As imagens e áudios devem ser claros e completos, sem edições ou manipulações. A autenticidade do material é crucial para sua aceitação em juízo.
Apresentação das provas: O vídeo deve ser entregue à autoridade competente, como corregedorias ou diretamente ao Ministério Público. É importante que o cidadão explique o contexto da gravação e esteja disponível para prestar depoimento, se necessário.
Limitações do uso das gravações como prova: Nem todas as gravações são aceitas automaticamente como provas. O juiz pode considerar a forma como o vídeo foi obtido e se ele respeita as leis de privacidade e a integridade dos envolvidos.
Proteção de dados
Embora a gravação de policiais no exercício de suas funções seja permitida, é necessário cuidado para não invadir a privacidade de terceiros que possam estar presentes na cena.
Com a entrada em vigor da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), o cuidado com a gravação e divulgação de vídeos ganhou ainda mais relevância. A gravação de pessoas em espaços públicos, especialmente se essas imagens forem divulgadas, deve respeitar o direito à privacidade e à proteção dos dados pessoais dos envolvidos.
4. Considerações Finais
A gravação de abordagens policiais é uma ferramenta importante na luta pela transparência e pela prevenção de abusos de poder. No entanto, ela deve ser usada com responsabilidade, respeitando os limites legais e garantindo a segurança do cidadão.
A popularização das câmeras em celulares e a disseminação das redes sociais tornaram possível o registro de eventos em tempo real, o que fortalece o controle social sobre as ações das forças de segurança. No entanto, a regulamentação sobre o tema ainda é incipiente, e cabe ao cidadão exercer esse direito com discernimento.
Gravar uma abordagem policial é um direito garantido pela Constituição Federal e pode ser uma ferramenta poderosa para proteger seus direitos e promover a responsabilidade dos agentes de segurança pública. No entanto, é essencial que o cidadão conheça as limitações e os cuidados necessários para garantir a segurança pessoal e a eficácia da gravação.
Se feita de maneira responsável, a gravação pode ser usada como prova em processos judiciais e como uma forma de promover mudanças nas práticas policiais. Em uma sociedade onde a violência policial ainda é uma realidade, a gravação de abordagens pode contribuir para a construção de um sistema de segurança mais transparente, justo e democrático.
É completamente legal que qualquer pessoa filme uma abordagem policial, independentemente de conhecer ou não a pessoa que está sendo abordada. Esse direito está garantido pelo compromisso da Administração Pública de seguir princípios como Legalidade, Impessoalidade, Moralidade, Publicidade e Eficiência.
Quando um policial faz uma busca pessoal, ele está atuando em nome do Estado, usando sua autoridade administrativa e de polícia, e sempre deve ter como prioridade o interesse público, ou seja, o bem-estar da sociedade e o cumprimento das leis.
O policial não pode impedir ou ameaçar quem está gravando, pois não há base legal para isso. Porém, é importante que a pessoa que filma não crie obstáculos para a busca ou ofenda o policial, pois isso pode configurar crimes, como injúria.
O policial pode pedir para quem está filmando se identificar, mas apenas para registrar a existência de provas de que está agindo de acordo com as normas na situação em questão. Essa solicitação não deve ser feita de forma a intimidar a pessoa a parar de gravar. Para se identificar, basta fornecer o nome e um endereço onde possa ser contatada como testemunha, se necessário.
Não cabe ao policial exigir que a pessoa apresente documentos de identificação, já que não existe uma lei que obrigue alguém a carregar documentos sempre. Embora seja importante ter um documento de identidade, não há penalização para quem não tem, e isso não pode ser motivo para o policial conduzir a pessoa que está filmando para a Delegacia de maneira arbitrária.
Em resumo, a atividade policial deve ser transparente, pois é de interesse público. Isso ajuda a limitar o poder do Estado e prevenir abusos. O policial, como servidor público, está sujeito à lei e não pode agir de acordo com seu próprio capricho. Embora tenha direitos em sua vida pessoal, ao exercer a função de agente público, ele não tem direito à privacidade.
Por fim, é importante lembrar que, embora o direito de gravar seja garantido, é sempre recomendável agir com cautela e buscar assistência jurídica em casos de abuso ou interferência nas gravações. A preservação dos direitos e a promoção da justiça são responsabilidades de todos, e a gravação de abordagens policiais é uma ferramenta fundamental nesse processo.
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